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Você Sabe o que é Comida Afetiva?

Você Sabe o que é Comida Afetiva?

Você já ouviu falar em comida afetiva? Talvez não com essa denominação, mas certamente você já teve alguma experiência de um gatilho de memória, como descreveu Marcel Proust, quando narrou a reação operada pelo seu paladar e seu olfato ao provar um bolinho de limão e uma xícara de chá. O gatilho de memória, seria, portanto, essa sensação esquecida do passado e que poderia ser suscitado ao se provar alguma receita que nos remetesse a uma lembrança positiva.

A comida afetiva pode ser considerada como uma lembrança da nossa infância, como também aponta o sociólogo Pierre Bordieu, que considera nossas preferências alimentares a marca mais forte do aprendizado infantil. Nesse sentido, a comida afetiva traz à memória aquela sensação nostálgica de saborear uma comida da época em que éramos crianças.

A comida afetiva não se trata de uma tendência gastronômica, mas sim, de uma gastronomia baseada em gatilhos de memória. Do inglês, comfort food, é experimentar uma receita e imediatamente associar aquele sabor a uma memória adormecida do nosso passado, geralmente da nossa infância, mas também de outros gatilhos de memória, como por exemplo, do nosso tempo morando sozinho, daquela superação que ninguém sabe que você viveu. Em outras palavras, a comida afetiva é experimentar um prato e imediatamente associar aquele sabor a uma lembrança gostosa da vida.

A comida afetiva geralmente é baseada em pratos simples, que passam longe da sofisticação dos restaurantes e resgatam memórias gostosas de tempos felizes: o feijãozinho preparado pela mãe, aquele mingau que só a avó sabia fazer, o doce obrigatório de todo Natal em família… E cada um tem um gatilho de memória diferente; uma receitinha para chamar de sua!

Ratatouille: um filme sobre comida afetiva

Esse filme é um exemplo clássico de comida afetiva. Quem já assistiu ao filme de animação Ratatouille vai lembrar de como aquele ratinho cozinheiro buscava fazer a combinação perfeita entre os alimentos e os temperos, ou seja, a alquimia dos sabores. O prato principal do filme, que foi o que deu origem ao nome da animação, ao ser provado e avaliado por Anton Ego, um crítico de gastronomia extremamente exigente, o fez relembrar (gatilho de memória) de um prato preparado por sua mãe em sua infância. Foi essa lembrança e o sentimento nostálgico despertados pelo sabor do prato Ratatouille que ganhou o paladar do crítico.

Com o exemplo desse filme de animação podemos entender que a comida de conforto funciona como um fixador psicológico no plano emocional e desta forma comer certos alimentos é ligar-se ao local ou a quem os preparou, conforme descreveu Câmara Cascudo. Há uma forte relação entre a memória e os aspectos emocionais da comida, e as escolhas alimentares realizadas pelos indivíduos estão intimamente ligadas com suas lembranças.

Assim, a comida afetiva no filme Ratatouille representa uma experiência alimentar de uma comida escolhida e consumida com o intuito de proporcionar alívio emocional ou sensação de prazer em situações de fragilidade (como stress ou melancolia), sendo associada muitas vezes a períodos significativos da vida do indivíduo (como a infância) e/ou à convivência em grupos considerados significativos por ele (como a família). [1]

Palmirinha Onofre: a vovó das comidas afetivas

Comida de vovó é sem dúvida alguma o exemplo mais prático de comida afetiva! Em outro texto, já falei sobre uma sopa que minha tia fazia quando eu era criança – Die Tante Selma und Seine Suppe. A sopa da Tia Selma suscita em mim essas mesmas sinestesias que tento descrever neste artigo sobre comida afetiva.

Embora nem sempre a comida afetiva tenha ligação com a comida feita pela avó, é impossível não discutirmos esse tema sem esse viés. E quando falamos de comida de avó e de comida feita com afeto, Palmirinha Onofre é hors concours. Considerada uma das culinaristas mais famosas da televisão brasileira, Palmira Nery da Silva Onofre, fez da sua cozinha e das suas receitas muito mais que culinária. Transformou receitas triviais em pratos de memórias e subjetividades, onde, os seus quitutes têm o poder de despertar os gatilhos das nossas memórias e nos transportar para uma viagem de volta no tempo.

A Comida Afetiva e o Patrimônio Alimentar

A comida é o elo de identificação de um determinado grupo social e antes que se deem por totalmente perdidas as receitas tradicionais, precisamos entender que a alimentação humana é muito mais do que um fato biológico, mas um ato social e cultural. O ato de comer implica representações simbólicas decorrentes da rede de relações sociais que identificam o alimento a uma determinada sociedade ou a algum segmento dela. O alimento se constitui em um produto cultural, pois é por meio do alimento e da alimentação que o homem se revela e revela seu grupo social.

Nesse sentido, as receitas antes que sejam consideradas esquecidas e perdidas no tempo precisam ser identificadas para que possamos, por meio das nossas próprias memórias gustativas despertar novamente os nossos próprios gatilhos de memória.  Assim, muitas das receitas que hoje já se encontram adormecidas poderão começar a fazer parte do cotidiano de grupos sociais, ajudando a preservar a memória desse grupo e a sua comensalidade.

A convivência à mesa é quase sempre um sinal de proximidade, confiança e fraternidade. Quando recordamos as nossas próprias memórias, geralmente lembramos dos almoços em família, da mesa farta, cheia de “receitas de vó”. Algumas comidas estão enraizadas dentro de nós, identificando e sendo identificadas e, em relação ao grupo de alemães não é diferente.

E para você, qual seriam as suas comidas afetivas? Quais seriam as receitas capazes de despertar o teu gatilho de memória, capazes de aguçar em você essa sensação esquecida do passado? Qual a receita que você gostaria de provar para poder te remeter a uma lembrança positiva?

Jonei Bauer:

O texto acima é de inteira responsabilidade de Jonei Bauer, não expressando necessariamente a opinião do Portal do Rancho.

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