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Como se festejava o Natal

Como se festejava o Natal

Carta de um dos primeiros colonizadores a seus parentes na Alemanha

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Blumenau, em 1º de janeiro de 1867

Querida Irmã!

Justamente há um mês recebi tua amável carta do mês de agosto e não podes imaginar quais os sentimentos de saudades que a mesma despertou em todos nós. Não é que não estejamos gostando desta terra, mas tudo que tu nos escrevestes nos é tão familiar, que parecia que estávamos presentes aos passeios e aos afazeres que nela relatastes.

O serviço da colheita das uvas, o sabor do mosto da maçã, a colheita do trigo, tudo isto há tempo não experimentamos mais aqui, porque tudo isto, é aqui desconhecido, mas no entanto, com tuas narrativas revivemos toda a nossa infância e adolescência e, enquanto vocês lá entravam no outono e esperavam o rigos do inverno, que por sinal, também tem suas belezas e distrações, nós aqui sofríamos as intempéries da estação chuvosa com que se despede o inverno brasileiro e se anuncia a primavera, transformando as estreitas picadas em valetas lamacentas e os riachos em torrentes perigosas. – Se a chuva impiedosa e um vento cortante, nos fazia sentir muito mais frio, quando trabalhávamos na roça e na tarefa diária de buscar a ração para os nossos animais, do que quando na velha pátria nos divertíamos sobre os lagos congelados ou deslizando em trenós pelas colinas cobertas de neve, uma semana depois já um sol escaldante aqui nos assava os braços nus e as águas quentes das poças produziam a temida “frieira” entre os dedos dos pés, de forma que não tínhamos, à noite, o descanso de que tanto carecíamos, para poder enfrentar o trabalho árduo do dia seguinte, tanto mais que os mosquitos por sua vez não nos deixavam cair no sono reparador. A febre causada pelas queimaduras do sol, a comichão da “frieira” nos dedos dos pés e o zumbido constante dos mosquitos que procuravam as partes descobertas de nosso corpo para saciarem sua sede de sangue, dando em troca o seu veneno que nos causava uma comichão irritante, transformavam a noite tropical, que tantos poetas em seus versos panegíricos, em verdadeiras noites de suplícios comparáveis às que Tântalos teve que suportar.

Não pense que estou exagerando, antes tenho deixado de relatar pequeninas coisinhas e contratempos que nos aborrecem. Mas apesar de tudo isto, gosto imensamente deste torrão de terra que antes era uma selva hostil e traiçoeira e que pelos esforços de meus braços e minhas mãos que agora se ostentam calejadas, está sendo dominada pouco a pouco e já aponta, como tributo do meu suor e minha perseverança, o começo dos primeiros frutos, cuja colheita me dará satisfação de não ter sido inútil o meu sofrimento e meu trabalho.

Por que eu te escrevo isto? Não sei. Só sei que tu não poderás fazer uma ideia das dificuldades que um colono passa nos primeiros anos na mata virgem, onde tudo, mas tudo, lhe falta e onde além do esforço físico quase sobre-humano é necessária uma fé inquebrantável na vitória final, para não desanimar logo nos primeiros dias, nas semanas subsequentes e onde se exige uma perseverança estoica anos a fio na obra começada a despeito das adversidades  e dos prejuízos causados pelas enchentes, geadas, chuvas e secas e da hostilidade e traição da selva e dos seres que a mesma abriga: insetos, cobras, animais prejudiciais ou ferozes e, para não esquecer, dos bugres.

Mas também não compreenderás a satisfação que a gente sente ao apreciar sua roça, sua pequena horta e o rancho primitivo com os toscos “móveis”, tudo feito por nossas próprias mãos. Se imagino que daqui há trinta ou cinquenta anos, netos e bisnetos também já não poderão mais aquilatar como foi duro o começo, quando eles passearem de carro ou transitarem pelas calçadas, trajando vestes festivas, onde hoje de calças arregaçadas e descalços, ficamos atolados às vezes até o joelho na lama das picadas, sinto-me feliz, gozando a satisfação de que com o meu trabalho e meu esforço lhes dei um lar e uma pátria, em cujo seio poderão progredir e alcançar a independência econômica e a liberdade de ação, que talvez da mesma forma, em minha antiga pátria eu não lhes poderia ter proporcionado.

Aqui tudo é virgem, tudo é novo, as forças da natureza ainda não foram dominadas pelo homem, a terra fértil está à espera para receber o tratamento carinhoso do lavrador e a semente por ele lançada, para então presenteá-lo com os frutos que garantem a sua subsistência e formam os alicerces do bem-estar e de sua prole.

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Já estamos aqui pouco mais de cinco anos e neste ano tivemos o nosso primeiro pinheirinho de natal, mas não é o pinheirinho alemão, mas sim uma árvores com folhas aciculares mais duras, nasce no planalto e que foi introduzida aqui na colônia pelo próprio Dr. Blumenau que arranjou as sementes da zona serrana. Cresce muito ligeiro e dentro de quatro a cinco anos já pode ser cortada para servir de árvore de natal.

Nos anos anteriores nossa árvore de natal era um arbusto ou pequena árvore com galhinhos simétricos e que enfeitamos com pequenas fitas de cores, cortadas de restos de fazenda, com as quais prendíamos aos ramos as flores das múltiplas orquídeas que aqui abundam, e pendurávamos, em falta das costumeiras gulodices (doces, maças e peras) as frutas que nascem aqui, como bananas, cachos de uvas maduras e várias frutas silvestres.

Também não faltavam as velinhas de cera, pois, além das abelhas domésticas já introduzidas na colônia, existem ainda aqui nas matas abelhas de várias espécies, que se alojam nos troncos ocos das árvores e que produzem uma cera escura, mas que serve para fazer velas. Assim, em todos os anos, não deixamos de ter a nossa árvores de natal, mesmo nos três primeiros anos em que a vida era dura de fato. Mas a festa di Nascimento do Menino Jesus, nos viu em torno da tradicional árvore de natal, reunidos em louvor ao nosso Deus e unidos no propósito de não desanimar e de crer na bondade divina, que nos foi anunciada há dezoito séculos pelos anjos, com o cântico do Glória in Excelsis.

E neste dia, em que um novo ano despontou no firmamento, encimado pela bela constelação do Cruzeiro do Sul, símbolo da paz neste céu tropical, quero retribuir os votos de felicidades que nos enviastes com tua carta e dar-te a certeza de que aqui estamos, com a Graça de Deus, vivendo felizes e contentes, por sabermos que nossos sacrifícios serão para o bem de nossos filhos e para o progresso desta terra que lhes escolhemos para sua pátria, que também já é nossa, pois abriga o nosso lar e nos dá a oportunidade de vivermos em paz e liberdade.

Receba e transmita a todos os teus os abraços afetuosos de teu irmão, que muito te estima,

Otto.

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Fonte: Blumenau em Cadernos Tomo 15, nº 9, 154-156, set. 1974 (Trad. Frederico Kilian)

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