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Mãos na terra! Vamos plantar – jardim é terapia

Mãos na terra! Vamos plantar – jardim é terapia

O contato direto com a natureza é capaz de ajudar na recuperação de doenças, estimulando a vontade de a pessoa viver e lutar. Conheça a Garden Therapy, ou hortoterapia, uma eficaz coadjuvante dos tratamentos convencionais 

Por Cristina Almeida Revista Viva Saúde

Meu querido Theo… se eu ficar aqui, o médico naturalmente poderá avaliar o que há de errado e ficará, espero, mais tranquilo em permitir que eu pinte… Me sinto forçado a pedir mais tinta, e principalmente telas. Quando eu lhe mandar os quatro quadros que estou trabalhando agora, você verá que, desde que cheguei aqui, considerando que passo a maior parte do tempo no jardim, não é tão triste…”*.

Este é um fragmento da primeira carta escrita pelo famoso pintor Vincent Van Gogh a seu irmão Theo, em maio de 1889, quando se internou voluntariamente numa Casa de Saúde da cidade de Saint Remy, em Provença (França). Após descrever seu quarto, a comida, as poucas atividades dirigidas aos pacientes e a gravidade de suas doenças, ele informava ao irmão que se sentia bem. Sofrendo de Transtorno Bipolar, Van Gogh buscava solução para seus altos e baixos. No período em que esteve ali, o ambiente que o cercava permitiu que ele produzisse 150 obras, a maioria retratando flores selvagens, oliveiras, ciprestes, incluindo o conhecido quadro, Vaso com íris. Passados 120 anos, especialistas utilizam a Garden Therapy ou hortoterapia como instrumento de cura: o objetivo é maximizar as funções sociais, cognitivas, físicas e psicológicas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes.

A técnica combina cultura de plantas e jardinagem ativa e passiva (contemplação ou “jardim-reflexo”), e é considerada eficaz como coadjuvante das terapias convencionais. Médica e consultora especializada em Healing Gardens (Jardins da cura) da Faculdade de Agronomia e Farmácia da Universidade de Estudos de Milão, autora do livro II giardino che cura (“O jardim que cura”, Ed. Giunti, sem tradução para o português), Cristina Borghi conta que a terapia nasceu antes que a psiquiatria se tornasse uma ciência.

Entre os séculos XVIII e XIX, observou-se que pacientes psiquiátricos melhoravam quando se envolviam em atividades de jardinagem em sentido amplo (cortar lenha, preparar o fogo, carpir ou realizar atividades domésticas). O contrário, ou seja, se manter inativo, piorava a saúde física e mental dos doentes.

A técnica combina jardinagem e contemplação para maximizar as funções sociais, cognitivas, físicas e psicológicas dos pacientes

MECANISMOS EM AÇÃO

A partir daí, a hortoterapia passou a ser uma alternativa útil que faz do paciente um protagonista do próprio restabelecimento. É que a terapia funciona colocando em movimento três mecanismos distintos: a interação com as plantas, a ação e a reação.

O primeiro favorece a reciprocidade a partir do médico: “Muitas vezes o profissional tem dificuldade em aproximar-se porque o doente está inserido numa realidade de desafeto, delírios e alucinações”, explica Cristina. Além disso, “a capacidade de interagir é fundamental para pessoas que sofrem com depressão, ansiedade, autismo e demência. A terapia também atenua sintomas como a pouca resistência ao estresse, falta de autoestima e vitimismo”, completa. O segundo mecanismo, a ação, mantém o doente ocupado, distraindo- o, dando-lhe segurança, e é um ótimo substituto do trabalho. Favorece a concentração, sendo também um satisfatório processo criativo.

O terceiro e último mecanismo, a reação, constitui um elemento de ligação entre o paciente e o jardim, que se estabelece a partir da resposta emotiva que uma paisagem ou uma flor suscitam. “Esse mecanismo alcança o inconsciente porque somos psicologicamente dependentes das plantas, já que elas possuem uma estabilidade dinâmica que opera por meio da mudança”, revela. Segundo Cristina, observando a natureza, aprendemos a conhecer e a enfrentar a vida. Amadurecemos e crescemos adquirindo uma compreensão das coisas indispensáveis para superar os desafios do cotidiano.

“Um jardim representa o vínculo concreto com admirá- lo, aumenta o sentido de controle da doença e estimula a vontade de viver e lutar, mesmo que a qualidade de vida esteja objetivamente ruim.” A médica lembra que os cuidados com um jardim diminuem o estresse porque permitem uma pausa que coloca a mente em estado meditativo. “O encanto da beleza age diminuindo os sentimentos negativos, acalma, leva ao otimismo, à esperança e promove a confiança na cura: um jardim corresponde ao arquétipo do Paraíso: um lugar belo, bom e encantado onde vige a harmonia. O que precisamos é exatamente disso e nada mais.”

Cuidar de um jardim ajuda a diminuir o estresse porque permite uma pausa que coloca a mente em estado meditativo

Quimioterapia ao ar livre

Ter acesso a um espaço verde no ambiente hospitalar pode viabilizar a recuperação do senso de controle do paciente, entendido “como a capacidade de decidir o que fazer em diversas situações, ter espaço para sociabilizar com os amigos e parentes, distraindo-se da aura hospitalar e da realidade que se está vivendo”, explica Sara Pasqui.

Sérgio Simon, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, conta que seus pacientes solicitam atendimento ao ar livre, entre plantas, árvores e pássaros: “O jardim tem um efeito calmante e tranquilizante sobre eles, fazendo com que sintam menos alguns dos efeitos colaterais da quimioterapia, principalmente a náusea”. Simon diz que existem casos de pessoas que só conseguem receber a quimioterapia no jardim: “Nos dias de chuva, por exemplo, eles precisam ser atendidos dentro do ambulatório, mas apresentam muito mais enjoo, chegando até mesmo a vomitar”.

Para o oncologista, a implantação de espaços verdes em hospitais humaniza um ambiente geralmente associado à frieza, esterilidade, e até mesmo hostilidade em relação aos pacientes.

“Os psiquiatras já sabem disso há mais de 100 anos! Creio que o verde, o contato com a natureza, o sol e seus efeitos tranquilizantes e humanizadores podem trazer benefícios profundos para a psique, agindo até mesmo sobre determinados aspectos clínicos em pacientes internados. E isso pode fazer muita diferença no processo de recuperação.”

Jonei Bauer:

O texto acima é de inteira responsabilidade de Jonei Bauer, não expressando necessariamente a opinião do Portal do Rancho.

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