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O Portal do Rancho é uma iniciativa independente de Jonei Bauer e Saty Jardim. As opiniões nos textos são de inteira responsabilidade dos colunistas.

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O que aconteceu com a educação?

O que aconteceu com a educação?

Há dois Manuéis que me acompanham. Faço deles as minhas palavras, que exprimem e traduzem a pessoa que sou. O primeiro, famoso poeta modernista – aquele que coaxou diante da plateia na Semana de Arte Moderna de 1922, Manuel Bandeira, no seu poema Epígrafe  é o que melhor traduz a minha personalidade:

Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.
Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,
Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó –
Ah, que dor!
Magoado e só,
-Só! – meu coração ardeu:
Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria…
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.
Esta pouca cinza fria.

Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do Rei e encontrarei o poeta Manuel Bandeira!

Mas por que essa discussão agora? Perguntas.

É que hoje resolvi falar sobre a minha personalidade e como eu fui moldado. E digo, a culpa é dos meus professores! Cresci em Taquaras, estudei na Escola Roberto Schütz, formei-me ali e anos depois na mesma escola eu também lecionei. E com orgulho, fui professor e colega junto aos meus Mestres!

Difícil até mencioná-los, desculpem: é que pretendo falar de uns em especiais!

Paulo Freire que me dê licença, porque minha amada professora – que me iniciou na leitura e escrita – é sim minha Tia. A minha querida Tia Angélica! Ela, com sua capacidade de liderança (hiperativa como eu) soube me cativar.  Aulas dinâmicas e agitadas – orações, fábulas, teatros… Pinta, recorta, cola, borda, monta e desmonta!

E esse pertencimento, de poder chamar minha amada professora de Tia até hoje, é algo que não marcou só em mim. Difícil alguém que não a chame de Tia Angélica aqui na cidade. E assim como ela, tivemos a Tia Adriana e a Tia Izolete, outras grandes mestras e que não passaram na minha vida por acaso. A primeira lecionou na pré-escola. Trabalhou a coordenação psicomotora, ensinou-nos a amarrar os cadarços, abotoar as camisas, fazer bolas de chicletes… Já a Tia Izolete, com sua ênfase na tabuada e na Leitura, apresentou-me um dos que é o livro que mais gosto ainda hoje: O meu pé de laranja lima, de Vasconcelos. Desde aquela segunda série, quando o li pela primeira vez, já perdi as contas de quantas vezes o reli – e ainda hoje me emociono com as aventuras e desventuras do menino pobre…

Certamente, agora entendem porque eu menciono o poema de Bandeira: com professoras assim “fui bem-nascido. Menino… feliz”.

Outra que tenho o maior carinho do mundo foi a que me ensinou a conjugação dos verbos. A querida Dona Traudi. Suas aulas eram muito especiais. Nomeava seus alunos com apelidos carinhosos e todo dia ela contava uma estória – cada conto, um novo aluno sentava em seu colo e os demais formavam um círculo no chão e ouviam atentos às suas fábulas – Uma história por dia, era o livro. Afetividade, amor e respeito foi o que mais aprendi.

E como esquecer que a Tante Traudi foi minha professora particular de alemão! Foram sete anos de aulas muito produtivas: fluência no idioma, cantos e teatros folclóricos, orações… E mais uma vez, a turminha, agora reduzida, era tratada com o mesmo amor e carinho de sempre. E os nomes que nos inspirávamos pra por em nossos animais de estimação: Schnuri, Mieze, Muschi… Tudo dos livros que líamos  em alemão…

Essas experiências e vivências certamente foram a base que alicerçaram o meu caráter e a minha formação educacional. Devo muito do que sou hoje, graças aos meus grandes mestres.

E enquanto educador hoje eu me pergunto: o que acontece hoje?Onde foram parar esses professores ídolos de outrora? Por que perderam o respeito pela educação?

Foram angústias que eu também tive que buscar respostas. Atualmente o professor não é mais um exemplo, um herói.  A educação está regredindo. Sinto isso, infelizmente…

Os professores estão estressados, angustiados, de mau-humor, desvalorizados.

A escola anda na contramão. Precisamos de uma escola mais moderna, sintonizada com a cabeça das crianças, num mundo tão individualista que enfrentamos. Os livros didáticos estão mofados: as crianças não se interessam neles porque a visualidade que lhes é ofertada na Internet é superior e mais completa e bem-preparada. Os professores precisam urgentemente rever suas didáticas. É preciso compreender o que Paulo Freire sugere sobre o sócio-interacionismo. Não apenas se dizer de pensamento freiriano, mas sim ter ações freirianas! É preciso rever os métodos, mudar as salas de aulas. Reconhecer que o aluno é um potencial enorme e que deve ser explorado: outros tempos vivemos e a escola ainda não acordou, está retrógada.

Coitados de nós, professores! Estamos numa batalha perdida, será?

Cadê as professoras, Tias Angélica, Adriana, Izolete, Traudi… Precisamos de professores assim pra salvar a educação!

E com isso, lembro o meu segundo Manuel – esse com a letra ‘o’: Manoel de Barros. Um poeta mato-grossense. Esse me traduz como cresci e o que sou hoje: uma pessoa que diz que todos ainda vão me amar pelos meus despropósitos

Todos te amarão pelos seus despropósitos, carregue água na peneira...

O Menino Que Carregava Água Na Peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.

Precisamos encher esses vazios, as lacunas da educação. Mas isso é o mesmo que carregar água na peneira… É isso!

Jonei Bauer:

O texto acima é de inteira responsabilidade de Jonei Bauer, não expressando necessariamente a opinião do Portal do Rancho.

Comentários:
  • mari
    Responder

    Ainda gostaria de dizer que você futuramente será lembrado por nossos filhos assim como você lembra destas belíssimas educadoras que fizeram parte da minha educação também. Sei disso porque meu filho lembra de suas aulas dinamicas, do professor legal, amigo, companheiro, e que conseguia dominar a turma por ser tudo isso. Você foi um grande professor, e agora será um grande museólogo. Mais uma vez… Parabéns, te admiro muito!

  • mari
    Responder

    Você é o cara que faz a diferença.Parabéns pela matéria!bjs

  • izolete maria meurer
    Responder

    OBRIGADA.por seu comentário,sobre nós professores da época de teu ensino fundamental, tínhamos um quadro de professores muito comprometidos com a educação de rancho queimado, tanto é que VOCÊ ESTA OCUPANDO ESSE ESPAÇO, ENTRE TANTOS OUTROS ALUNOS COMO VOCÊ : PREFEITO, VEREADORES, ENGENHEIROS, ENFERMEIRAS, AH , QUE SAUDADES DE VOCES, AQUI VALE LEMBRAR OUTRAS PROFESSORAS COMO: Salete, (saudosa )Rosângela, Sandra, e tantas outras, Obrigada, vá em frente. izolete

  • simone curi
    Responder

    e o que nós fazemos com o isso?
    Problemão que se expande para além dos muros da escola, tomando toda a sociedade. Por um lado, é bacana, pois o ensino envolve mesmo a todos, todos somos os interessados. Por outro, quantos de nós temos de fato – não o entendimento – mas as premissas necessárias para enfrentar a maior crise que passa a educação?
    Uma delas, penso eu, é que antes – vamos dizer, no cerne de uma pedagogia crítica – estava a indagação do quê ensinar, qual pensamento crítico destinar aos futuros cidadãos? ou seja, a perspectiva era a do currículo, o que se deve ensinar, o que se deve aprender. No entanto, a perspectiva atual – pós-crítica? – é a de qual sujeito se quer para o futuro, que povo queremos para esse mundo? Perspectiva que secundariza o dever saber em nome do ser.
    No giro do século, talvez o mais importante seja pensar, com os avanços econômicos e tecnológicos, que as informações, todo o arquivo da humanidade, se disponibilizam num alcance jamais imaginado. Ao mesmo tempo, que sujeitos essa mesma exacerbação capitalista produziu? É esse o sujeito que se quer como atuante do futuro? só a educação pode nos ajudar nessa empreitada, política, social, existencial, na transição do quê pelo qual. Simone Curi

  • Letícia Weigert
    Responder

    Muito obrigada Jonei por este chacoalhar de ombros, fazendo-nos acordar e olhar para o nosso vergonhoso abandono aos manuéis. Meus sinceros VIVAS às Angélicas, Izoletes, Adrianas e Traudis. O problema da educação não está nas escolas, muito menos nos professores! Os grandes vilões são os políticos, que não aprovam salários dignos, e alguns pais que incentivam filhos desordeiros e sem educação, não reconhecendo e não respeitando o nobre trabalho dos educadores. Roubando suas palavras finais: “É isso!”

  • Maria Angélica K. KÄUFER
    Responder

    Querido Jonei, obrigada pelas palavras, realmente foram bons anos de muita dedicação e compromisso. como diz rubem alves: ” não quero faca nem queijo; quero fome”. e vc Jonei tinha fome desse queijo. Sempre demonstrou interesses diferenciados; muito potencial.
    Parabéns!
    Parabéns pelo Portal do Rancho. Uma iniciativa excelente,com matérias nobres, informativas e educativas.
    bjs

  • Adriana iara de oliveira sagaz
    Responder

    “Menino, menino … você é um carregador de Água na peneira f o r m i d á v e l!!!!

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